Devaneios I

(...)Bom dia, você está na companhia da Comercial, e estas sao as notícias das 8:00(...)
Entoa o rádio-despertador no sossego da manhã, enquanto ela diminui o volume. Acordar ao som das notícias já se tinha tornado um hábito.
Mas hoje, surgiu um amanhecer diferente, um amanhecer expectante, a transbordar entusiasmo, felicidade acima de tudo. Não foi necessário o bom dia do companheiro da mesa de cabeceira para despertar. A ansiedade falou mais alto. E em menos de nada ela já tinha saltado da cama, escolhido a toilette, maquilhagem e perfume para o dia que se avizinhava inesquecível. Tomara um duche relaxado, pois tinha tempo, mas principalmente para saborear a água tépida no rosto que lhe escorria pelo corpo não tão elegante como desejava, mas bonito o suficiente para se ver ao espelho no máximo duas vezes por dia, o tempo suficiente para saber se estava despenteada ou com a roupa do avesso.
Ao contrário do usual, ela toma atenção a cada promenor do seu rosto. Nunca tivera muito jeito para se embonecar, mas a ocasião exigia o esforço. O resultado final era satisfatório. Conseguira disfarçar as olheiras das noites mal dormidas, (um ponto a seu favor). O rimel preto foi uma grande ajuda, tal como a sombra rosa esbranquiçada e o lápis preto a contornar os seus grandes e expressivos olhos castanhos. O gloss chatilly tornara ainda mais carnudos e apetitosos os seus lábios cor de rosa.
" Estás encantadora!!...", conclui ela enquanto sorri para si mesma através do espelho.
Quando a disposição está acima da média, não há piropo indelicado ou buzinadela que vença. Rapidamente estaciona. Bate a porta apressadamente. O seu passo é acelerado e o seu pensamento está tão longe que nem se apercebe que corre pelo passeio esburacado.
Chega finalmente, 10 minutos antes da hora combinada, não contando com os 5 minutos que insiste em adiantar no seu relógio para nunca correr o risco de se atrasar. Escolhe a zona da esplanada. Agrada-lhe a ideia de tomar a sua meia de leite com vista de mar, sossegada. Tudo parece ser-lhe favorável, até a brisa marítima convida a sentar, mais intensa que o habitual.
Enquanto aquece as mãos frias e trémulas na chávena fervente, inspira o saboroso aroma do café e das torradas tal como do ar frio e marítimo de Dezembro. Apesar de não ser propriamente cedo, aquele lugar está deserto. No centro da civilização, aquele jardim é um cantinho para quem foge à realidade. Sente-se isolada no Mundo, tendo como companhia as gaivotas descaradas, doidas por um pedaço de pão, o empregado de mesa que lhe parece, hoje, ser mais simpático que o habitual, as árvores centenárias e sombrias e o seu querido mar.
Subitamente sente algo a vibrar na sua bolsa. Rapidamente adivinha quem possa ser e teme por si. Atende com o seu habitual "tou", tentando disfarçar o nervosismo. O número é anónimo, logo pode ser qualquer pessoa. Do outro lado da linha consegue ouvir um som que se assemelha ao do mar esbaforido (ou talvez esteja a confundir com o som que a envolve na esplanada, já não sabe...), mas nenhuma voz. A tensão aumenta, ao julgar não ter rede suficiente para ouvir a chamada, olha para o visor.
"Estúpida...não estás propriamente no deserto do Sahara, é lógico que tens rede. Provavelmente é uma chamada de mau gosto...", pensa, já irritada com ela mesma. Quando se prepara para desligar, ouve do outro lado uma voz grave, calma, quente o suficiente para lhe provocar um calor súbito no rosto.
- "Essa tua cara torta é irresistível... Que tenho de fazer para te arrancar um sorriso, daqueles de deixar qualquer um rendido?"
Por momentos, ela perde o chão. Enquanto observa tudo à sua volta em busca de um alguém que ela sabe quem é, o seu corpo torna-se gelatina. Sem saber o que fazer, deixa-se ficar na cadeira de verga envernizada, incrédula. O seu coração palpita a um ritmo alucinante. Toda a calma que sentia, desvaneceu-se ao som daquela voz única e inconfundível. Era certo que estaria a ser observada, uma daquelas árvores monstruosas em tamanho e beleza escondiam-no. Restava saber em qual delas. Depois de uns longos segundos em silêncio, resolve falar.
" Preferes continuar escondido atrás das árvores, ou vais fazer-me companhia no meu pequeno almoço?...". O seu tom de voz é jovial e desafiador. Uma voz de quem parece não ter problemas na vida, receptível a tudo o que pode surgir de surpreendente. Ao que a outra voz responde:
"O que tens tu para oferecer a este Ser faminto?...". É um facto, existe uma cumplicidade nas suas vozes, um desafio entre falsa frieza e atrevimento com malícias camufladas.
"Tudo a que tens direito, desde que conste no Menu. Estou à tua espera." E com um sorriso de soslaio infantil, desliga o telemóvel. Olha em seu redor, pois parece-lhe ver alguém ao fundo, mas conclui que não passa de imaginação.
Até que sente uma mão, grande, a pousar no seu ombro esquerdo. O toque fora ao de leve, mas o contacto entre os dois corpos provoca calafrios. Calafrios esses que se fazem sentir mesmo com o grosso casaco de Inverno que ela traz vestido. Num sussurro surpreendente, a voz que ouvira à segundos volta a falar, fazendo-a estremecer dada a proximidade.
"Então e o que sugeres?..."
Texto por: Sofia Baleia

Comentários

Anónimo disse…
Parece-me que a historia não terminou...Parabéns...Boa imaginação...Silent
Anónimo disse…
Eu sugiro mais... mais... mais...

=D
Lali disse…
E virá...a seu tempo...
Prometo!

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