Cada Coisa...


Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
Têm branco frio os campos.
À noite, que entra, não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.
À lareira, cansados não da obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
Não puxemos a voz
Acima de um segredo,
E casuais, interrompidas, sejam
Nossas palavras de reminiscência
(Não para mais nos serve
A negra ida do Sol) —
Pouco a pouco o passado recordemos
E as histórias contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos falem
Das flores que na nossa infância ida
Com outra consciência nós colhíamos
E sob uma outra espécie
De olhar lançado ao mundo.
E assim, Lídia, à lareira, como estando,
Deuses lares, ali na eternidade,
Como quem compõe roupas
O outrora compúnhamos
Nesse desassossego que o descanso
Nos traz às vidas quando só pensamos
Naquilo que já fomos,
E há só noite lá fora.

Ricardo Reis - Pessoa

Comentários

Hervé disse…
Soprou-te um anjo o hálito leve da ânsia criativa? Isto vão aqui mais fotos num mês do que no ano atrasado!
Lali disse…
Simplesmente apanhei coragem de abrir o baú do que andei a produzir este ano, lectivo...
Hervé disse…
Engraçado que todas elas (cada uma à sua diferentíssima maneira) remetem para A Obra que expuseste.
Lali disse…
E o mais engraçado ainda, foi a "Obra" ter surgido sem pensar muito no assunto, após todos estes trabalhos...

Foi um esmiuçar inconsciente...concluo agora!

Mensagens populares